quarta-feira, 29 de julho de 2009

A grande batalha

À primeira vista, parecia que teríamos mais um carnaval: um grupo de homens passou vestido de mulher e mexeu com a Mina. Tudo indicava que a tal festa dos "Moros y Cristianos" seria nada mais que um bando de gente bêbada e fantasiada se pegando. Mas não foi bem assim.

Para começar, uma informação importante sobre a Espanha que ainda não havia sido compartilhada (porque até então tivemos sorte): as pessoas não "ficam", não se "pegam". Não existe isso de, em uma festa, como carnaval, um homem jogar um papo e beijar uma mulher. O que acontece é que os espanhóis entendem que o beijo é o começo do sexo. Então, se você beija um espanhol ou espanhola, isso significa - para ele(a) - que vocês vão transar. Por isso, é normal que você conheça alguém, converse, saia outras vezes e só depois de várias vezes é que vão se beijar - porque isso significa que vão fazer sexo.

Dito isso, voltemos à festa: o objetivo das pessoas é beber para... beber. Todos ficam bêbados,
dançando, cantando e andando em grupos.
Durante a festa, que dura cinco dias, existem kabillas, que representam as tendas antigas dos mouros, cristãos ou beduínos. Cada grupo se reúne em uma tenda - e todos têm definido, desde que nascem, se são dos mouros, cristãos ou beduínos, é tradição de família. Pode-se mudar, mas é muito improvável. E o curioso é que os espanhóis passam o ano todo com preconceito contra os ditos "mouros" (pessoas provenientes de certas regiões árabes), mas durante a festa é muito mais legal ser mouro do que cristão. Nessas kabillas, há bandinhas de músicas tocando a noite inteira e você passa por experiência parecidas com a do carnaval, como encontrar o gerente do seu banco completamente bêbado e dizendo "Holaaa Philippeee, que tal, hombre?". As mais legais eram as maiores: a do rei mouro e a do rei cristão.


Durante o dia, há o desfile. É interessante, mas quem já viu carnaval no Brasil, acha tudo mais ou menos. O primeiro dia é dos cristãos, que dura uma hora e meia, e o segundo dia é dos mouros (cujo desfile é infinitamente mais bonito e nos remete imediatamente a "Aladdin"), que dura duas horas e meia. Quando acaba, todos vão para suas respectivas kabillas para jantar. E depois de algumas horas, já de madrugada, as kabillas são liberadas e distribui-se bebida de graça para todos. Cada cidadão de VillaJoyosa que participa dessa festa desembolsa, em média, mil euros, sendo que mais da metade vai em bebida (para os locais e os turistas).



Agora vocês imaginam... todas as noites, o nosso destino era a rua, onde bebíamos (a Mina mais que o Phil), andávamos e... acabava por aí. Camila, nossa amiga brasileira de Villajoyosa, nos fez companhia todas as noites. E o momento alto foi no dia em que a Mina resolveu sacanear um espanhol depois de uma ideia brilhante do Phil, escolheu um e disse, em português: "Nossa, eu te levaria para casa e te fazia todinho!". Claro que a frase originou gargalhadas dos três e aconteceu o seguinte diálogo:

Espanhol: - Oi! Não ouvi o que você falou porque está muito barulho.
Mina: - Não foi por isso. Foi porque eu falei em português.
Espanhol: - E o que você falou para mim?
Mina: - Não posso dizer, desculpa.
Espanhol: - E por quê eu fui o escolhido?
Mina: - Porque tinha que ser alguém bonito.

E foi aí... que o espanhol correu. Sim. Ele c-o-r-r-e-u. Frouxo? Não. Espanhol.

Depois de noites e noite em claro e uma banda insuportável tocando as mesmas músicas o dia todo na janela de casa, chegou a grande noite do dia 28, quando acontece a encenação do
chamado "Desembarco Moro", que só acontece em Villajoyosa. Antes de falar do evento, um pouco de história para contextualizar:

Em 1538, os cristãos estavam acampados na costa espanhola. Inesperadamente, os mouros chegaram em seus barcos, à noite, e depois de desafiados pelo rei cristão, lutaram e tomaram o
castelo, conquistando assim o território espanhol. No dia seguinte, porém, já preparados, os cristãos atacaram e reconquistaram o terrotório, que ficou sob domínio deles.

O desembarco reconstitui a conquista dos mouros. São preparados barcos que levam os espanhóis que representam os mouros com suas fantasias, enquanto os que representam os cristãos ficam em tendas armadas na praia, comendo, bebendo e observando os barcos chegarem. Tudo começa por volta das 5 da manhã, quando alguns espanhóis, que interpretam os soldados, atiram (com balas de mentira, obviamente) contra os mouros. A platéia acompanha tudo da calçada em arquibancadas.



Como tínhamos credencial de imprensa, acompanhamos tudo bem de perto, da beira do mar,
misturando-se à encenação e aos repórteres e cinegrafistas profissionais, com direito ao repórter da TVE (a TV estatal espanhola, que possui diversos canais e é a mais importante do país) perguntando ao Phil quando a verdadeira batalha aconteceu. E como todos os outros jornalistas, tínhamos que vestir a túnica branca (ou casaca) para não destoar da encenação.

Com nossas câmeras amadoras, conseguimos registrar boa parte do desembarco todo e depois o Phil fez uma edição - em um program amador também (por isso, não reparem nas imagens tremidas ou cortes bruscos de áudio) - para que vocês possam ver um pouco do que é festa. O desembarco, sim, é algo completamente diferente de tudo que já vimos e uma festa incrível que vale a pena presenciar, algo da cultura espanhola e difícil de ser entendida por quem nunca viu de perto. Confiram o vídeo:



Fotos tiradas pela Mina:

Fotos dos desfiles:

Outras cidades espanholas realizam os desfiles e as festas em outros dias. Em Villajoyosa, a festa dos mouros e cristãos acontece antes da festa da padroeira, Santa Barbara, emendando uma festa na outra e garantindo uma semana inteira de folga.

E para finalizar: fomos desafiados aqui no blog a não sermos imparciais e assumirmos uma posição entre os mouros ou cristãos. A princípio, os mouros parecem mais interessantes. Mas a ideia de um mundo dominado por árabes islâmicos não parece muito interessante também. Foi aí que o Phil decidir ficar do lado dos beduínos. Eles não têm desfile, eles não participam do desembarco... foram renegados. Portanto, Phil é beduíno desde criancinha, o que originou o diálogo:

Phil: - Vou ficar do lado dos beduínos. Muito mais legal!
Mina: - Phil... você só quer ser do contra.
Phil: - Não, tenho muito mais a ver com eles, essa coisa de ser nômade.
Mina: - Desde quando você quer ser nômade?
Phil: - Ué, eu adoraria viver em Londres, Paris, Madrid, Nova York... só que em apartamentos confortáveis, quem disse que nômade precisa viver em acampamento?
Mina: - Ok, você venceu.

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Festa à vista

A arquibancada colocada em frente à nossa casa já começava a denunciar. Os enfeites pela cidade e cartazes de "permanceremos fechados do dia 24 de julho ao dia 6 de agosto", também. E para completar, um homem que raspou um formato de lua nova no cabelo.

Começa nessa sexta-feira, uma das festas mais tradicionais da Espanha e cuja versão mais conhecida acontece exatamente em VillaJoyosa. Trata-se da Fiesta de los Moros y Cristianos, chamada simplesmente de Moros y Cristianos, que significa "Mouros e Cristãos".

Trata-se de uma celebração histórica, onde os habitantes de VillaJoyosa pagam uma taxa cara o ano todo, compram fantasias ainda mais caras (como no carnaval carioca) e desfilam fantasiados, cada um de um personagem (registrados no livro anual da festa) interpretando a clássica batalha, na praia, entre os dois povos.

Além disso, há comida e bebida por toda a cidade. E como nós dois somos quem somos, conseguimos hoje a nossa credencial de imprensa, o que dá acesso a todos os lugares da festa e que vai ser responsável pelo post-reportagem que vamos criar em breve.

sábado, 18 de julho de 2009

Estudiantes otra vez

Depois de nos recuperarmos da semana exaustiva (física e emocionalmente) em Madrid, nada melhor do que voltarmos à vida de estudante: aulas, estudos e novos amigos. A data do curso em que havíamos nos matriculado veio a calhar e assim fizemos "O Cinema no Século XXI: Profissão e Indústria", que começou na segunda e terminou na sexta.

A cada dia, um professor diferente dava uma palestra e uma oficina. O primeiro dia foi na Universidade de Alicante, que é grande e bem bonita. Para chegar até lá, um calvário que nos fez entender nossos amigos que moravam longe da PUC: acordávamos com o céu escuro, pegávamos o primeiro trem, que passa na estação às 6h52, e uma hora depois, chegávamos a Alicante. Lá, tomávamos o ônibus que vai para a Universidade e passa de 8 em 8 minutos, mas demora mais meia-hora até chegar. E claro que no primeiro dia nos perdemos dentro da faculdade e só nos achamos depois de um funcionário indicar e dar um mapa (e o Phil ainda conseguiu dar informação para um estudante perdido, que descobriu no mapa onde era o prédio de Direito).

A primeira aula foi uma palestra sobre direção de arte, com uma diretora excelente de um filme que assistimos aqui há duas semanas (já sabendo que todos os profissionais do curso tinham participado dele). Chama-se "Lucia y El Sexo" e está disponível no Brasil. É interessante, vale a pena ver (apesar de a gente não ter entendido algumas coisas porque não tinha legenda).



No intervalo, o momento engraçado ficou por conta de nós dois achando que o banheiro era unisex e comentando como a Espanha era moderna por isso. Até descobrirmos que na verdade todos os banheiros do primeiro andar eram masculinos e algumas mulheres desavisadas usavam assim mesmo (e a expressão dos homens ao ver mulheres dentro do banheiro era muito engraçada, reparamos depois).

No horário de almoço, aproveitamos para dormir no chão, perto do jardim, o que gerou olhares incrédulos de alguns passantes e nos fez refletir o porquê de ser normal dormir na grama, onde é cheio de formiga e terra, mas é anormal dormir no chão de pedra ao lado (talvez seja o fato de o Phil ter dormir em cima de um jornal, como um mendigo, mas não sabemos ao certo).

No dia seguinte, as aulas passaram a ser no centro de estudos de um lugar chamado Ciudad de La Luz, que fica longe da cidade (a gente pegava um ônibus de graça, oferecido pela Universidade de Alicante, o que aumentava em mais meia-hora o nosso trajeto). Trata-se de um complexo de estúdios tipo Projac que tem uma espécie de faculdade tipo PUC, ou seja, um lugar bem familiar. Mas ficarmos só nós dois conversando era muito chato e falar em português era antipático, então decidimos falar em espanhol para tentar fazer alguma amizade. E assim eu mirei no alvo, eleito como o mais guapo da classe e que tinha olhado o dia todo para a Mina, na véspera. Ofereci chiclete, ele aceitou e entendeu a senha para perguntar: "Que idioma vocês falam?". E assim fizemos nossa primeira amizade, com Adrian, que estuda para ser professor primário e é extremamente tímido.



Maaas... nem tudo são flores. Ao ver que o menino agora falava com alguém, uma loira vaca resolveu "roubar" Adrian e praticamente manipulava a atenção dele na aula e no ônibus que seguia para a aula. Assim, ele passou a andar com ela (que fazia questão de ignorar a nossa presença e existência) e fomos obrigados a fazer mais amizades. E assim conhecemos três meninas mais do que fofas: Patrícia, de Madrid, Sacri, de Alicante (mas que vai morar em Manchester, na Inglaterra) e Marga, de Mallorca (de longe, a mais engraçada).

Foi com elas que garantimos risadas e os momentos mais divertidos do curso, aprendendo espanhol e falando mal de Emílio, o assistente do curso que pode ser definido como... fanfarrão. Ensinamos também que a loira era uma "vaca" (que elas adoraram e ficavam referindo-se a ela como la rubia 'vaca'), ensinamos palavrões, comidas típicas (elas acharam muito estranho a gente comer uma leguminosa preta que dá um caldo preto chamado "feijão") e tivemos que explicar porque caímos na gargalhada quando o professor falou ese niño puñetero ("esse menino enjoado" ou "chato").

Ah, sim! E as aulas... tivemos oficina de direção de fotografia com um profissional premiado e aparentemente muito bom e conhecido na Espanha, mas que não tinha didática alguma, o que nos fez ficar entendiados. Também fizeram uma mesa redonda, onde uma polêmica tomou conta da discussão quando uma mulher disse que acha errado que o governo espanhol subvencione os filmes, porque o dinheiro poderia ser aplicado em outra coisa. O diretor que estava na mesa, irritado, disse que a mulher (que era professora universitária do governo) tinha tanto direito quanto ele de receber dinheiro público. E que as pessoas precisam de cultura e entretenimento também. Só que um espanhol discutindo é um pouco mais... caloroso. E ninguém tem papas na língua, então eu e a Mina ficávamos tensos enquanto o resto da turma permanecia alheio ao climão. Vale também contar que a discussão sobre o cinema espanhol é exatamente igual à do cinema brasileiro ("os filmes são todos sociais", "o público não prestigia o cinema nacional", "o preço do ingresso é caro", "não se fazem blockbusters nacionais", "não deveriam fazer blockbusters nacionais", "não se faz cinema sem dinheiro público", etc).



A oficina de direção de atores também foi ótima, a de trilha sonora muito interessante e a de montagem foi excelente, tirando o fato de que já sabíamos tudo aquilo (foi uma aula mais para quem não conhecia praticamente nada do processo). A vantagem foi que nossas amigas espanholas perguntavam muitas coisas, o que fez com a gente soubesse que todos entenderam que já éramos profissionais experientes (e muito modestos, como vocês podem ver). Aliás, as pessoas que conversavam com a gente ficavam impressionadas como já tínhamos experiência profissional com 25 anos. Pelo o que pudemos entender, enquanto no Brasil fazemos estágios e começamos a trabalhar cedo, na Espanha eles viajam pelos países vizinhos e aprendem idiomas (e eu sinceramente não quero julgar o que é melhor).

No último dia, como bons brasileiros, convidamos nossas amigas para tomar uma cerveja depois do curso, para marcar o último dia. Sacri não pode nos acompanhar, mas Patrícia e Marga participaram e fomos a uma lanchonete muito interessante, onde o esquema era: você pede um montadillo (sanduíche de mini pão francês com sabores diversos, como frango com olho picante, salmão com philadelfia, queijo brie com pimentão e mais outros 40 sabores) e a jarra de chope (individual, mas grande) sai a 1 euro. E você ainda ganha batatas fritas (tipo "Lays") de graça.



O Phil, que hoje em dia é fraco para bebida, já ficou tonto no primeiro chope. A Mina tomou três e ficou apenas levemente alegre (mas o suficiente para brincar de fazer caretas e imitar uma menina de mais ou menos 6 anos no ônibus e passar horas falando sobre como tinha sido divertido e como o pai da menina era legal de deixá-la brincar assim). Marga voltou para Mallorca e Patrícia voltou hoje para Madrid, mas não sem antes fazer uma noitada em Alicante com alguns amigos e a Mina (o Phil deu uma de velho e foi para casa exausto, suado e mal-humorado, graças às poucas horas de sono na noite anterior).


E assim, rindo, brincando, fazendo amigos, sacaneando o assistente e prestando atenção nas oficinas, recebemos nosso primeiro diploma de um curso espanhol, 30 horas, na Universidade de Alicante, sobre cinema no século 21. E, de quebra, ainda ouvimos o diretor do curso fazer o mesmo discurso que alguns professores de cinema da PUC fazem após seis meses de aula ("espero que agora vocês não vejam mais o cinema como meros espectadores"). Saldo positivo. Que pena que acabou.

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Simplemente Madrid

Depois de dias parado, finalmente o blog ganha um post gigante sobre as aventuras em Madrid. Exaustos, doídos, com olheiras, estamos vivos e finalmente faremos um resumo sobre essa semana incrível. Até consideramos postar do albergue aos poucos, mas era impossível ficar mais de uma hora descansando.

1º dia, quinta-feira - A Chegada


O sol fritava cada poro do nosso corpo. A chegada ao albergue parecia a chegada a uma pequena república nórdica onde todos eram loiros, brancos e de olhos claros (e algumas pessoas matariam para estar lá). Fomos recebidos em nosso quarto por dois australianos que seguiam esse padrão físico e não se importavam em andar ou dormir de cueca, mesmo nas presenças femininas. Até que o número 13, do quarto (que a Mina não sabia até o último dia), nos deu sorte, já que todos os companheiros que passaram por lá (e muitos a gente nem chegou a ver acordados) tinham o mesmo ritmo: chegar de manhã e dormir até depois do almoço.


Chegando à noite, pensem no nosso espírito resolvendo a seguinte equação:

Mina + Phil + metrópole cosmopolita na Europa = ...

Decidimos seguir o enorme fluxo de gente e descobrir onde era a boa da noite. E assim paramos em uma praça absolutamente lotada de gente, em sua maioria homens (gays e héteros). Parecia um self-service onde quem quisesse poderia montar seu homem ideal: havia de todas as cores, tamanhos e estilos. As poucas mulheres presentes eram bonitas e não muito arrumadas. E foi para uma dessas, que parecia muito simpática, que decidimos perguntar o porquê do lugar estar tão lotado. Será que Madrid era sempre assim? A resposta que ouvimos foi na verdade uma pergunta: "Vocês estão brincando, né?". Explicamos a situação e a notícia caiu como uma bomba na nossa cabeça: "essa é a semana do orgulho gay, a única semana em Madrid em que é liberado beber na rua". Calculem:

Mina + Phil + metrópole cosmopolita na Europa + semana do orgulho gay + beber na rua = ...

Seguimos conhecendo pessoas aleatórias na rua (quase todas bêbadas), conversando e rindo até que o Phil acabou na boate Studio 54 e a Mina acabou se arrependendo de ter bebido meia garrafa de Gim.




2º dia, sexta-feira - O Príncipe

A sexta-feira começou com ressaca e um quase arrependimento de enfiar o pé na jaca logo na primeira noite. Turismo? Museus? Passeios culturais? Impossível. Só havia forças para... compras! E assim tivemos que nos controlar nas rebajas, os descontos que estão em todas as lojas da cidade e que chegam até 70% (a ponto de pagarmos 5 euros por uma bermuda de qualidade ou 10 euros por um vestido lindo).

No final da tarde, lembramos de ligar para um garoto que conhecemos no Couch Surfing (site onde as pessoas oferecem seus sofás para desconhecidos ou, no caso de não poder receber alguém, se dispõe a tomar um café ou drink e apresentar a cidade). E foi aí que Mina conheceu seu príncipe francês, que não chegou em um cavalo branco, mas em uma roupa social, um sorriso simpático e um sotaque divertido (ele falava português bem e o jeito extremamente tímido conquistou rapidamente nossa intrépida viajante).

Depois de um chope, fomos convidados a acompanhá-lo em uma saída com alguns amigos. Sem saber o que esperar, fomos. E no cair da noite, chegamos a um bar português lotado, onde não havia mesas ou cadeiras. Todos ficavam em pé, pagavam pelas bebidas e ganhavam tapas de graça (os pedaços de pão com coisas variadas em cima). Os amigos chegaram juntos: um mexicano, dois eslovenos e um italiano. Começava a nossa saga da noite falando em inglês, espanhol e português. E o momento mais engraçado: um boliviano completamente embrigado que resolveu ficar amiguinho da Mina, sem falar coisa com coisa. Até agora não sabemos o que ele perguntou e muito menos o que respondemos.



Desse bar e de uma passagem relâmpago por um clube de jazz onde o show já havia acabado, fomos ao Chupito, um bar alternativo onde pedíamos shots variados ao preço médio de um euro. Havia desde um que era servido em um copinho feito de casquinha de sorvete, até um drink onde a garçonete colocava fogo no copo e, claro, a última e mortal tequila, oferecida de graça para o grupo. E o pé entrava na jaca novamente...



O grupo de estrangeiros, com direito a muitas gargalhadas, seguiu para a Chueca, o bairro gay que ficava perto da praça da véspera. Percebemos que todo mundo por lá gosta de desafiar a lei da física de que dois corpos não podem ocupar o mesmo espaço. Foram muitas tentativas até que chegamos ao "El Tigre", um bar lotado, no mesmo esquema "paga a bebida e ganha a comida" com a diferença de que eram pratos enormes de batatas fritas picantes e deliciosas, pães com coberturas ainda melhores e bolinhos de arroz incríveis. A jornada não poderia estar melhor: amigos de todas as partes do mundo, comida de graça, bebida barata e o inevitável "Eu Nunca" proposto adivinhem por quem.

Obrigatório contar que, a essa altura, Mina e seu príncipe já haviam virado um casal. E a noite acabou de forma mais light e bem Madrileña: comendo churros com chocolate em uma cafeteria.



3º dia, sábado - A Parada

O dia começou em um piquenique organizado pelos nossos amigos internacionais no Parque do Retiro, onde há um lago e as pessoas ficam em barquinhos remando. E na tarde tranquila e ensolarada, descemos a rua e, ao cruzar o portão do parque, uma multidão insandecida aguardava o início da Parada Gay de Madrid.

Eles já tinham planejado ir para a Parada, que tem o diferencial de que, na Espanha, todos fazem gostam de ir e participar, de qualquer orientação sexual. Paramos todos para olhar as marchas que pediam uma Espanha laica e os carros alegóricos temáticos que vinham depois. Além de muito divertidos, eles produziam chuvas de penas rosas ou serpentinas coloridas no céu de Madrid, uma visão incrivelmente bonita e gay na cidade.


Diferentemente do Brasil, na versão espanhola as pessoas dançam, pulam, se fantasiam, mas não se pegam. Não há a beijação generalizada brasileira e chegamos à conclusão de que isso acontece porque em Madrid os homens andam de mãos dadas e se beijam em público sem serem apontados ou ridicularizados, e por isso não precisam de um dia específico para liberar o instinto libertinoso.

Enquanto nossos amigos iam para casa descansar (!) antes de sair à noite, ficamos na companhia de Júlia, uma amiga brasileira, e Eder, um português engraçadíssimo e mucho loco que conhecemos naquele dia (era amigo de uma amiga da Júlia, que também não o conhecia) e que nos acompanhou noite adentro.


O sábado intenso seguiu com uma festa particular nada animada (onde a Mina foi encontrada por mim dormindo profundamente no sofá) e mais uma dose de "El Tigre", com comidas, bebidas, multidão enlouquecida, brasileiros sendo identificados após mandar um ¡hola, guapo! e muita andança pela cidade lotada.

4º dia, domingo - Lavapiez

Sendo a Espanha o país católico que é, domingo é dia de ir a igreja, o que significa que a maioria das coisas está fechada na cidade. Isso fez com que aproveitássemos para descansar e tentar recuperar as energias, sem saber o que ainda viria.

Chegando à noite, fomos encontrar Julia no Lavapiez, o bairro dos imigrantes, onde vivem muitos africanos, indianos (com seus restaurantes), latinos e chineses, onde as drogas são vendidas mais facilmente, as ruas são ocupadas por restaurantes étnicos interessantes e bares mais alternativos e todos os hippies têm sua vez.

Tentamos a sorte de encontrar um bar que interessasse ao mesmo tempo a nós, à Julia e ao príncipe francês. Foi difícil. Acabamos descendo a rua, encontrando Sam, americano amigo do Phil há anos e que estava morando em Madrid, e indo a outro lugar quando Julia e Laurian precisaram ir embora (vale um adendo de que, por uma coincidência bizarra do destino, o príncipe francês chama-se Laurian e é de Nantes, mesma cidade de Florian, o francês que conhecemos e foi mencionado em um post anterior).

A noite com Sam acabou com mais dois amigos americanos, todos sentados bebendo cerveja em uma praça cheia de gente e jogando o "um limão, meio limão", um jogo para quem já está com seu nível etílico alterado.

5º dia, segunda-feira - Turismo

Enfim, um dia de turismo. Ou de tentativa. Descobrimos que os museus estavam todos fechados, com exceção do Reina Sofia. Mas antes de partirmos para lá, fomos com Sam ao Palácio Real de Madrid. Um lugar enorme, bonito, com muitos salões, mas extremamente parecido com o Museu Imperial de Petrópolis. Já que não era muito novidade para nós, podemos dizer que o momento mais divertido foi a crise de gargalhada que tivemos ao fazer uma piadinha na sala de jantar e imaginar os nossos amigos comendo strogonoff no salão enorme do lugar. A vista também era incrível, onde víamos boa parte da cidade.


Depois de muita andança, fomos até o Reina Sofia, passando por lugares lindos, parques rodeados de estátuas onde casais gays ficavam juntos no jardim e homens com camiseta da seleção brasileira faziam exercício em praças. Aproveitamos para almoçar em um restaurante barato mas muito ruim, o que rendeu uma tarde nada agradável a Sam, que voltou para casa.

Enquanto isso, visitamos o Reina Sofia, dedicado à arte moderna, o que significa obras sem nenhum significado aparente, quadros homoeróticos, bonecos coloridos, exposição de fotografia e esculturas de homens sendo brutalmente assassinados, tudo lado a lado.

E a noite dessa vez teve duas convidadas especiais: as brasileiras Fernanda e Renata, que conhecemos no albergue, quando Fernanda criticou o excesso de jogos de tênis que os americanos assistiam no lounge. As gargalhadas deram o tom da noite, mas quando íamos para casa, desiludidos por não achar nada interessante para fazer até a madrugada, fomos convidados por um promoter a conhecer um pub que havia no caminho. E assim descobrimos onde andavam todos os turistas da cidade que eram um pouco mais novos do que a gente: no "Pub Crowl", um evento onde se paga 10 euros e ganha-se o direito de conhecer, em grupo, 4 pubs e uma boate, ganhando uma cerveja em cada lugar.

Não achamos nada atraente a ideia de só sair com turistas, para bar de turistas e ainda pagar por isso. Mas como achamos a galera por acidente, decidimos ficar um pouco. Foi assim que turistas australianos resolveram adorar o Phil, dar uma rosa e uma cerveja de presente (o que gerou o comentário de um americano: "dude, where did you get this rose?" e a resposta "an australian girl gave me and said: to remenber the austrian love). Gente bêbada é muito legal!

A noite fechou com chave de ouro: finalmente - e por acidente - acabamos em um clube de salsa, onde Phil encarnou o latin lover com seu chapéu estiloso e a rosa australiana e Mina mostrou seus dotes de dançarina semi-profissional.



6º dia, terça-feira - A Despedida

O último dia foi marcado por dores fortes na perna de tanto andar, cansaço extremo, ressaca e, ainda assim, nenhuma vontade de ir embora de Madrid. Decidimos nos separar, já que o Phil já conhecia o Museu do Prado e não tinha condições físicas de percorrer tudo de novo. Enquanto Mina via o Jardim das Delícias, Phil decidiu ir aos jardins do Parque do Retiro e ler um pouco embaixo das árvores, aproveitando o sol quente e a brisa que resolveu aparecer.

A noite também começou separada: Mina acompanhou o príncipe francês em um jantar indiano de despedida dos eslovenos - que iriam voltar para a cidade em que nasceram, com 200 (!!!) habitantes. Já Phil, foi despedir-se de Sam, ao lado de amigas americanas dele e de Fernanda, a brasileira de Cuiabá, do albergue.

No cair da madrugada, Mina foi até a caverna que servia de pub onde Phil, Sam e Fernanda se embebedavam animadamente para marcar a última noite da cidade. Com os quatro juntos, a conversa ficou animada até o bar fechar, cedo, às 3h da manhã. Seguindo por ruas lindas e desertas, o vento gelado anunciava mudanças e esfriava o calor de Madrid entranhado em nossas veias há seis dias. Nos despedimos de Sam, pegamos o ônibus noturno e seguimos para o albergue.



Dia 7, quarta-feira - O Fim

Como o trem de volta era às 7h, paramos na recepção do albergue e emendamos, com Fernanda, um papo sobre homens, mulheres e relacionamentos, até a hora de abertura do metrô. Fizemos o nosso primeiro, último e único café-da-manhã no albergue (normalmente dormíamos enquanto ele era servido) e as expressões em nossos rostos bebendo chá era a mesma (e quem nos visse, ia achar que estávamos morrendo).

Nos despedimos do lugar, cruzamos a porta, entramos no metrô e seguimos para a estação de trem. O vento da madrugada já havia levado embora a nossa alma, parecíamos dois corpos vagando em direção ao fim da nossa melhor semana até agora. Voltamos exaustos, com alguns quilos a menos e sem nossos corações, partidos e abandonados na capital espanhola.